Redação
Rafael L
Nota 50.
Entre clima e capital
Vivemos no Antropoceno, recente era geológica criada a partir dos efeitos dos exponenciais impactos naturais causados pela intervenção antrópica: o homem, moldado pelo imediatismo e pelo ensimesmamento advindos do capitalismo neoliberal, quase como um vício neurológico, precisa, cada vez mais de alienar-se no seu consumo – droga (sic). Assim, sob o efeito alucinógeno do comprar, já não interessa o que ocorre ao seu redor e nem de onde veio sua mais nova aquisição – se sua origem é ecológica, de uma produção agroflorestal sustentável, ou se é predatória, da exploração de menores e da redução, por exemplo, de paisagens, como a mineira Serra do Curral, a pó (sic) pouco importa, afinal, a real diferença consiste no preço. E é exatamente nesse cenário de autodegradação e de agressão do meio que se constrói a chocante crise ambiental contemporânea, a qual desencadeia, em um contexto de assimetrias de poder, a questão dos refugiados climáticos, potencializada pela vulnerabilidade social, invisibilizada pela indiferença coletiva.
De fato, em um sistema cujo funcionamento é asfixiado pelo postulado do dinheiro, é conveniente, para as elites dominantes mascarar tudo aquilo que pode por em cheque (sic) seus tão doces privilégios. Por isso, sob uma ótica marxiana, a invalidação da atual situação de catástrofe é um excelente “ópio do povo”. A partir da disseminação de “fake news” em um mundo de pós-verdade e do anticientificismo, desastres como os alagamentos avassaladores de Petrópolis em 2022 e a elevação dos níveis dos oceanos, devido ao derretimento de geleiras, são menosprezados e tidos como “comuns”, pois são parte dos “naturais” eventos do clima. Dessa forma, o êxodo de refugiados gerado por essas circunstâncias, apesar de ser maior que o de guerras e conflitos, é ocultado e diminuído, pois ter consciência dessa situação é ter prova concreta de que a ordem vigente é instável e, sadicamente, suicida. Logo, há um projeto político intencional de cegueira para com esses deslocados sobreviventes – tal alteridade desafia o “status quo”.
Ademais, nessa sociedade sedada pelo mantra “consumo, logo existo”, cria-se uma aceitação passiva dessa estrutura e desse tráfego (ou tráfico) humano, o qual, como grande parte das problemáticas sustentadas pelo capital, atinge especialmente os mais pobres. Isso ocorre porque, em áreas vulneráveis ambientalmente, aquelas que possuem melhores condições econômicas podem investir em tecnologias para retardar a necessidade de fuga. Porém, naquelas frágeis socioeconomicamente, como a África subsaariana e o Sul asiático, isso não é possível: ainda em processo de recuperação após o brutal espólio imperialista europeu, a expansão da desertificação e das inundações são fenômenos contra os quais é difícil resistir. Como conseguinte, sem acesso a condições básicas como água e com produtividade alimentícia comprometida, resta o escape desumanizante e injusto. E, então, nessa lógica, o indivíduo comum, sujeito político, por causa de seu compulsivo relacionamento com o possuir, verbo esse que gera aceitação e exibicionismo social, prefere fechar-se narcisicamente em si e blindar-se a essas absurdidades. Analogamente à descrição precisa de Drummond em seu poema “Inocentes do Leblon”, a expansão do deserto do Saara é irrelevante, assim como as brutalidades que ela provoca, pois o aquecimento global gera um calor agradável (sic) e um sol raiante (sic), perfeito para seus ingênuos “stories” do Instagram: a vida do outro pouco importa.
Portanto, é visível como o império do lucro e do consumo, causadores da trágica condição climática global, sob as mãos dos poderosos, mascaram a crise dos refugiados ambientais, vítimas desse esquema abusivo. Além disso, a vulnerabilidade social desses sujeitos catalisa e amplifica essa espantosa situação, a qual é ignorada pelo cidadão comum – para ele, a letargia psicotrópica do consumismo é mais prazerosa.